18 de março de 2009
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"O esporte é negócio hoje. Enquanto não se pensar dessa forma até Jesus Cristo pode administrar que não vai resolver"
Símbolo do esporte fala sobre política nacional, Olimpíada, Dia Internacional da Mulher em entrevista exclusiva Magic Paula defendeu por muito tempo a Seleção Brasileira Feminina
(Crédito: Lancepress)
www.lancenet.com.br/esportes/basquete
Fábio Aleixo, Marília Ruiz e Rafael Valesi
Poucas pessoas representam tão bem os tempos de glória do basquete brasileiro como Magic Paula. Foram anos vitoriosos pela Seleção e até um curto período como dirigente da Nossa Liga de Basquete (NLB).
Parecia que a bola laranja e a eterna camisa 8 seriam inseparáveis. Mas hoje a postura mudou. O envolvimento da ex-jogadora com a modalidade, antes bastante amplo, resume-se à coordenação do Centro Olímpico de Treinamento e Pesquisa (COTP), em São Paulo, além de um instituto que trabalha com recreação de crianças.
A distância do basquete acontece, segundo ela, por causa da falta de um projeto que lhe chame a atenção. Conhecida pelas críticas em relação ao modo como se faz esporte hoje no Brasil, Paula pensa até em fazer suas “mágicas” pelo futebol feminino no futuro.
No Dia Internacional da Mulher, nada melhor do que entrevistar um símbolo do sexo feminino brasileiro que possa inspirar outras mulheres em todo o país.
Rafael Valesi: Como está sendo o trabalho no Centro Olímpico? Exige paciência e é a longo prazo.
Paula: Infelizmente não há outros centros na cidade, e faltam profissionais. E não tem sido fácil convencer o jovem a fazer esporte. Esse monte de informação que o jovem tem hoje está dificultando para seduzi-los a praticar esporte. Ninguém quer ficar quatro horas treinando à tarde. O jovem quer ficar no computador, ou ir para a balada.
Marília Ruiz: O que surpreendeu e o que frustrou você desde o dia em que você pisou no COTP?
Paula: O que me surpreende é a estrutura. Isto aqui era abandonado e deteriorado. O que frustra é não poder contar com Bolsa-Atleta para quem está no centro. Os clubes chegam aqui, oferecem um pouquinho e levam nossos atletas embora.
FábioAleixo: O Rio tem chances de receber a Olimpíada de 2016? E o Brasil merece sediar os Jogos?
Paula: Nós mostramos que sabemos fazer. O Pan de 2007 foi um exemplo. Mas a forma como foi feita não foi legal. Se merece ou não, isso é uma questão política. E desde 2000 estamos tentando receber uma Olimpíada. E o que isso trouxe de melhoria para nosso esporte? Nada.
MR: Você tem alguma vontade de trabalhar na articulação de projetos para o esporte de alto nível?
Paula: Jamais vou fazer algo que fuja dos meus princípios. Não só eu como outros atletas podem contribuir muito mais, mas a gente nunca é chamado para contribuir. Não tenho intenção de ter cargo no Comitê Olímpico Brasileiro (COB), quero é contribuir com o esporte.
MR: Mas você assumiria um cargo, pelo esporte?
Paula: Se fosse um projeto bacana, assumiria. Do jeito que é hoje, não. Não podemos ficar só reclamando ou acusando aonde está errado, temos de mostrar o que nós pensamos, o que achamos que é ideal para o esporte. É necessário surgir um movimento como esse. Se a gente for esperar as pessoas nos chamarem para nós opinarmos, fica meio difícil, o esporte ainda é um feudo. Temos de acabar com esse longo prazo que as pessoas permanecem à frente das entidades.
MR: Existe algum grupo que discuta esporte no país?
Paula: Estamos bem no início. Temos um grupo que tem conversado algumas vezes. Fazem parte dele o Raí, Ana Moser, eu, Hortência, Joaquim Cruz, Patrícia Medrado e Lars Grael. Temos de dizer o que a gente enxerga para o esporte daqui a 15, 20 anos. Essa minha maneira de ser não é bem vinda, mas é meu jeito. Da meia hora que nós conversarmos aqui, vai sair que a Paula não quer a Olimpíada no Brasil, e aí o que vão falar. “É a chata de novo, a Paula só reclama”. Tem um monte de gente que pensa a mesma coisa, mas prefere ficar quieto.
RV: Você vê algum atleta hoje com esse perfil de pensar em uma nova forma de se fazer esporte?
Paula: É difícil seduzir quem ainda está atuando. Quem sabe quando eles pararem. Mas também tem muita gente que já parou e não fez nada. Rabo preso tem em qualquer lugar. Temos o (judoca) Flávio Canto, um cara engajado e que tem visão social bacana. Ele pode contribuir bastante.
RV: Além do seu trabalho no Centro Olímpico, qual o seu trabalho no basquete atualmente?
Paula: Nenhum. Tenho um instituto que trabalha com crianças, mas apenas como recreação.
RV: Você tem interesse em se envolver novamente com basquete?
Paula: No momento, não. Faço palestras em companhias, tenho curtido bastante isso. Faço analogias entre o esporte e as empresas. No basquete não há nada que me seduza.
FA: Existe algum tipo de mágoa?
Paula: Não tenho mágoa. Não surgiu nada que me seduzisse para entrar de cabeça em um projeto. Tenho vontade até de montar algo para o futebol feminino, que tem potencial enorme. Até já pensei em algo para o futebol, do nível que elas mereçam. Quem sabe no futuro.
FA: Você vê alguém com capacidade para assumir a presidência da Confederação Brasileira de Basquete (CBB)?
Paula: Às vezes uma pessoa sem capacidade pode ser ajudada por uma equipe boa. O presidente não tem de ser tão executivo, é necessário umaequipe e alguém com mentalidade empresarial. O esporte é negócio hoje. Enquanto não se pensar dessa forma até Jesus Cristo pode administrar que não vai resolver.
RV: Temos um Nacional feminino de basquete desequilibrado e uma Seleção que tem dado resultados. No masculino a situação é inversa. Como se explica isso?
Paula: A geração masculina é muito melhor do que a feminina, mas enquanto não soubermos fazer bem feito vamos seguir fora da Olimpíada. É inconcebível não ter os atletas da NBA na Seleção, falta alguém na Confederação para atraí-los. E estou preocupada com a geração feminina, não sei o que pode acontecer na próxima Olimpíada. Conseguimos sobreviver hoje de uma geração intermediária à minha, mas a próxima não sei como será.
FA: Hoje em dia as mulheres conseguem ter o mesmo espaço que os homens no esporte brasileiro?
Paula: As barreiras vão sempre existir. Quando comecei existia muito mais preconceito, mas já evoluímos muito, tanto que na Olimpíada de Pequim metade da delegação foi composta por mulheres.
FA: Na época de jogadora você rivalizou muito com a Hortência e hoje são grandes amigas. Como se explica essa relação?
Paula: A única pessoa com quem tenho contato no basquete hoje é a Hortência. Vivemos algumas etapas na fase da rivalidade. Muitas vezes penamos por chegarmos à Seleção e não conseguirmos nos desfazer da camisa dos nossos clubes. Não ganhávamos nada. Chegou uma fase que entendemos que se não estivéssemos juntas não iríamos chegar a lugar algum.
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